Urgências da Maçonaria

Categoria: Cultura Maçônica Publicado em Sábado, 15 Abril 2017

Terminadas as férias encontrei-me num dilema sobre qual seria o primeiro texto para retomar as mensagens que envio aos que me honram com suas leituras. Eu havia separado uma meia dúzia de artigos..., mas permanecia a dúvida.
De repente, recebi um trabalho que o Irmão Valdemar Sansão apresentou no 2.º Encontro Paulista de Escritores Maçons, intitulado "Escrever Para Quem?". A reflexão do Irmão Valdemar trouxe subsídios para meus questionamentos: escrever o quê? escrever porquê? como escrever? e... escrever para quem?
Sei que não é fácil elaborar um texto investigativo com padrões de qualidade e fundamentado na pura essência do pensamento maçônico. Também não é fácil, se quisermos fazer coisa séria, apresentar uma palestra ou ministrar uma instrução.
Vivemos tempos de urgências maçônicas.
Parto do princípio de que a Maçonaria não impõe limites à investigação da verdade. A rigor, se todos os maçons estudassem e, principalmente, se houvesse bons instrutores, não haveria tanta necessidade de outras literaturas. Os rituais e as instruções dos Graus fariam germinar na inteligência do iniciado a compreensão correta do que é Maçonaria.  Mas entre nós ocorre que muitos vieram para a Ordem por motivos opostos ao ideal maçônico. Acrescento a tudo isso um fato que ninguém pode negar: em todos os segmentos da Ordem há uma espectativa de mudança, certo grau de descontentamento, de inquietação e mesmo decepção ‒ não com a Maçonaria propriamente dita, mas com as condições e disposições correntes.
Apesar dos esforços empreendidos pelos poucos idealistas, nossa Ordem não tem desempenhado a função que dela espera a sociedade. E volto a dizer: só temos nos dedicado a causas de consenso, pois não nos preparamos para, fora do conforto das Lojas e dos ágapes, apresentarmos à coletividade um amplo projeto de reeducação humana e de transformação das relações entre o Estado e o indivíduo ‒ situação crítica e emergência do Século XXI; urgência da Maçonaria. Deixamos passar o Século XX e já se foram quinze anos do Século XXI embalados nos mesmos discursos e avaliações equivocadas sobre nosso tímido papel diante das causas sociais.
Numa cultura imbecilizante como a atual ‒ fundamentada em programas de televisão, aplicativos de celulares e nos inferninhos do facebook ‒ os estudos recomendados pelas escolas ou pela Maçonaria são substituídos por espertezas de uns ou pela politicagem malandra de outros.
Assim, grande parte do que se escreve e daquilo que é  ensinado ou praticado na Maçonaria brasileira tem intenções e olhos voltados para a perpetuação de feudos particulares e para o embelezamento dos perfumados umbigos dos que têm voz de mando ou controle da cultura e erudição maçônicas.
Por isso, pensei mesmo em parar de escrever "sobre Maçonaria", o que ‒ com certeza ‒ deixaria muitos gente aliviada. Mas reconsiderei esta hipótese, uma vez que há bons estudiosos em todas as Lojas, bons textos que circulam mesmo na internet e boa literatura nas edições públicas. Persiste também a necessidade de os maçons saberem falar sobre Maçonaria e terem argumentos em defesa da Ordem quando ela for injustamente atacada pela intolerância dos ignorantes. A boa literatura existente cumpre esse papel assim como a boa instrução ministrada de forma impessoal, evitando-se meias-verdades e argumentos desprovidos de lógica interna ou coerência textual.
Os ensinamentos maçônicos não podem ser maquinados ou extraídos de cabeças mal familiarizadas com o milenar pensamento iniciático. "Ouvir dizer" não é o mesmo que saber. As aparentes boas performances frequentemente exibidas não se fundamentam em  pesquisa séria. Valem só pela boa vontade... São pastiches (imitações melosas de fragmentos de outras especialidades) que vêem à luz com a roupagem de conhecimento. E por serem "mais fáceis" e digeríveis, lançam sombras lúgubres sobre o material que os bons pesquisadores se esforçam por produzir.
O vício de copiar e colar ‒ copy+paste ‒ começa nas "peças de arquitetura" destinadas ao 'aumento de salário'. Depois que surgiram a internet, o google e a enciclopédia livre wikipedia, a maioria dessas formosuras são Ctrl+C/Ctrl+V de erros perpetrados pelos aventureiros da internet. Um site copia outro e ‒ que os deuses nos acudam! ‒ em pouco tempo acabaram "criando doutrina".
Com a Lógica − estudo recomendado pela Maçonaria (e não direi em que Grau...) − temos maiores probabilidades de diferenciar o pensamento correto do falso. A Maçonaria não ensina a matéria da Lógica, mas assinala e aconselha nas instruções; cabe ao maçom compenetrado e sério procurar noutras literaturas o complemento dessas instruções.
Quem estudou Lógica Menor (segunda parte do Trivium, disciplina que estabelece a forma correta das operações intelectuais) sabe que nosso pensamento trai nós mesmos, daí a advertência dos sábios maçons do passado:
"Se fores dissimulado, serás descoberto".
Exemplos didáticos bastante simples de raciocínios que tornam invisível ou pouco perceptíveis sentimentos e intenções são os sofismas. Por exemplo:
"Todos os homens são vertebrados; eu sou vertebrado, logo sou homem."
"Todos os homens são vertebrados; meu cão é vertebrado, logo meu cão é homem."
Vocês poderão dizer que estes exemplos são tolos, meros simplismos. Mas não os inventei; estão no Curso de Filosofia de Huisman e Vergez. O estudo da Lógica parte do simples para o complexo. No primeiro caso, a premissa maior (... todos os homens são vertebrados), apesar de verdadeira não é o que me torna um homem; um bode é vertebrado sem ser homem. No segundo caso, as premissas maior e menor são verdadeiras, mas a conclusão é falsa.
Os sofistas utilizam a habilidade retórica no intuito de defender argumentos inconsistentes. São os dissimulados: manejam premissas para enganarem os desatentos. Existem pessoas que nasceram para isso ‒ uma espécie de "dom" infernal ‒, e foi contra eles que Sócrates se insurgiu.
Outro exemplo de embromação é o discurso vazio que enche o tempo (e os Templos!); fatigam os ouvintes e entram pelo "avançado da hora" apesar de não significarem patavina. Observem a tabela anexada no rodapé desta mensagem; é uma das astúcias usadas no passado e agora vulgarizada na internet com o nome de "tabela dos discursos":
Se escolhermos, ao acaso, uma combinação de linhas e colunas ‒ por exemplo: A1 / C2 / F3 / H4, teremos o seguinte discurso:
"Caros colegas, a atual estrutura de organização facilita a definição dos índices pretendidos."
Mas se optarmos por D1 / G2 / J3 / B4, o resultado será outro:
"Do mesmo modo, a consolidação das estruturas exige precisão e definição das nossas metas financeiras e administrativas."
Os matemáticos afirmam que essa tabelinha pode gerar 261.780 tipos de combinações. Divirtam-se com esse joguinho, escolhendo outras arranjos e obterão novos discursos ou textos maravilhosos que deixarão seus pares encantados e... "bateria de alegria" neles! Muita gente boa que circula por aí usa técnicas parecidas com essa ‒ falar muito sem dizer nada.
Entenderam agora porque os estudiosos são postos de lado nas diversas instâncias do poder?
Ao nos tornarmos maçons, deparamo-nos com símbolos alusivos à realidade do dever. Em primeiríssimo lugar, o compromisso de mudarmos as tendências que ofuscam nossa razão: tumultos, paixões e ódios que caracterizam o homem vicioso. Paralelamente a isso, precisamos reconhecer que a Maçonaria não é um hospital nem um reformatório para mentes frágeis e homens não realizados socialmente. O maçom tem que exercer uma profissão que lhe assegure plena subsistência e independência para cumprir seu papel social; tem que estar inserido numa família que referencie sua experiência como cidadão. Do contrário, ele permaneceria escravo e não um homem livre. Em segundo lugar há o dever de nos opormos à hipocrisia, deixar à vista os traiçoeiros e os desonestos. Eles estão por toda parte e sabemos que "a estes não se combate sem perigos". A Maçonaria nos dá o exemplo de João Batista, friamente decapitado para satisfação de caprichos vingativos e por ter proclamado publicamente as faltas e os erros cometidos pelos ricos e poderosos.
Só voltaremos a construir algo nestes tempos cujos valores éticos e morais foram pervertidos, quando sacrificarmos nossos interesses pessoais e ambições pelos supremos ideais que prometemos defender ‒ mesmo que isso nos custe a perseguição e os descasos  das arbitrariedades dos grandes.
 Fora disso, permaneceremos falando de democracia e, na prática, exercendo monarquias absolutistas asseguradas por benesses de feudos particulares e uma extensa e dispendiosa corte de Viscondes, Marqueses, Condes, Barões, Arquiduques, Duques, Príncipes Infantes e Vice-Reis.
Jean Jacques Rousseau foi certeiro e explícito:
"... se tivessem adotado os verdadeiros princípios, todas as dificuldades seriam superadas e eles se teriam mostrado sempre consequentes; mas, nesse caso, teriam dito a verdade e enaltecido unicamente o povo. Ora, a verdade não conduz à fortuna, e o povo não concede embaixadas, nem cátedras, nem pensões." (Do Contrato Social, Livro II).
Contudo, fico esperançoso noutros aspectos: nossa Maçonaria é constituída em sua expressiva maior parte de pessoas capazes, dignas, reflexivas e propensas às mudanças. Só lhes falta, devido à fragilidade das lideranças, motivação para agir e começarem a retomada de nossos objetivos. Vejo também, com bom ânimo, a auto-avaliação que os escritores maçônicos estão fazendo de suas obras.
A caneta é mais poderosa do que a espada.
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José Maurício Guimarães

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