A Iniciação no Rito Moderno

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Categoria: Cultura Maçônica Publicado em Sábado, 07 Setembro 2013

“Toda iniciação maçônica limita-se a ensinar a arte de construir humanitariamente. Não se vá, pois, pedir-lhe a revelação dos segredos do universo ou da natureza humana: seus segredos são os do trabalho sobre as pedras humanas destinadas a passar de seu primitivo estado grosseiro, inutilizável para nosso edifício humanitário, ao estado de materiais esquadrados e polidos à perfeição, em vista de sua colocação no grande edifício. Por certo, são estes segredos da maior importância, por serem relativos ao mistério da Vida” . Oswald Wirth

 

 

Desde a aurora dos tempos os homens se reúnem em grupos, seja para garantir sua segurança pessoal ou familiar, seja para a prática de algum culto ou mesmo para a guarda de alguma prática operativa. Nesses grupamentos fechados só se podia entrar depois de um longo e penoso rito de passagem, que variou muito, de acordo com a época e os objetivos perseguidos. Muitas religiões antigas, sobretudo no Oriente, tiveram os seus Mistérios, e conseqüentemente a sua Iniciação. Os ritos Iniciáticos, não são, todavia, peculiares à Antigüidade. Muitas instituições, religiosas ou não, conservaram até os nossos dias o costume da Iniciação, inclusive a Maçonaria.

A Iniciação é a cerimônia mais importante de uma Loja Maçônica. Através dela a Ordem se renova e há a transformação do homem profano em Maçom. No Rito Moderno, que é um rito essencialmente racional, esta transformação se dá através de provas intelectuais e não por provas físicas. O Rito Moderno, ou Francês, criado em 1761 e reconhecido pelo Grande Oriente de França em 1773, teve grande impulso a partir de 1786, quando um projeto de reforma estabeleceu os sete graus do Rito. O Rito Moderno possui um forte espírito evolutivo e progressista, adaptável a todas as épocas e culturas. Em 1877 houve uma grande reforma doutrinária, que veio a suprimir a obrigatoriedade da crença em Deus e na imortalidade da alma, não como uma afirmação de ateísmo, mas por respeito à liberdade religiosa e de consciência, já que as concepções religiosas das pessoas são de foro íntimo, não devendo ser impostas.

Evidente que estas concepções tiveram reflexo direto na Cerimônia de Iniciação. Até 1877 a Iniciação do Rito Moderno não diferia muito da de outros ritos maçônicos. Nas cerimônias Iniciáticas, tanto nas primitivas quanto nas modernas, o iniciando transforma-se no ator central de um espetáculo mítico que dramatiza a mudança de sua condição de profano para a de membro do grupo. Durante esse drama, ele costuma ser tratado como um profano suspeito, enquanto enfrenta uma série de desafios e testes que servem para provar se é digno da honra de ser aceito. Pode haver lugares desconfortáveis ou tenebrosos, privações, ameaças de ferimentos  (reais ou simbólicas) ou até mesmo ameaça de morte.

A partir de 1877, o Rito Moderno aboliu de suas iniciações as provas físicas. Nossas provas passaram a ser intelectuais, conferindo ao profano que se inicia no Rito Moderno o acesso a um estágio mais elevado da Razão, transformando-o num Livre-Pensador e num crítico dialético do processo histórico do Homem. Para a Doutrina Modernista, as provas físicas induzem o candidato a um clima de terror desnecessário. A morte humana não deve ser temida, mas compreendida racionalmente. Todavia, a Iniciação no Rito Moderno praticado no Brasil difere da que é ainda praticada na França, pelo Grande Oriente de França. Na França ainda subsistem algumas práticas das antigas Iniciações, com as provas que fazem alusão aos quatro elementos (Ar, Água, Fogo e Terra) o que não retira da cerimônia o caráter adogmático e racional do nosso rito.

Uma crítica muito comum à presença dos Quatro Elementos em nossos rituais é que teriam origem na alquimia. Os Quatro Elementos, na verdade, têm sua origem confundida com o nascimento da Filosofia. Por Filosofia entendemos uma forma completamente nova de pensar, surgida na Grécia por volta de 600 a.C. Antes disso, todas as perguntas do Homem haviam sido respondidas pelas diferentes religiões. Essas explicações religiosas eram passadas de geração em geração, através dos mitos. Um mito é a história de deuses e tem por objetivo explicar por que a vida é assim como é. Os dois nomes que representam o pensamento mítico grego são Homero, autor da Ilíade, e da Odisséia, e Hesíodo, autor de Os Trabalhos e Os Dias da Teogonia. Por aquela época ocorreu uma evolução de uma forma de pensar, atrelada ao mito, para um pensamento construído sobre a experiência e a razão.

O objetivo dos primeiros filósofos gregos era encontrar explicações naturais para os processos da natureza. Essas preocupações também refletem em mudanças no campo político. Com o advento da Polis, a mentalidade das pessoas começa a mudar. A lei passa a ser encarada como expressão da vontade da comunidade humana e não dos deuses. Para isso é importante ter um ambiente onde as pessoas possam debater livremente, dar suas opiniões e ter o direito à palavra. A assembléia, a praça pública, o Ágora, passa a ter uma importância muito grande. Todavia, nas assembléias públicas também era exigido que os participantes demonstrassem e justificassem racionalmente suas propostas. Assim, é fácil perceber que essa nova organização social, essa nova mentalidade, que se opunha racionalmente ao mito, colaborou profundamente para o surgimento da Filosofia na Grécia. Os primeiros filósofos gregos criticaram a mitologia descrita por Homero, porque para eles os deuses ali representados tinham muita semelhança com os homens e pela primeira vez na história foi dito claramente que os mitos talvez não passassem de frutos da imaginação humana.

Um exemplo dessa crítica aos mitos pode ser encontrado no filósofo Xenófanes, nascido por volta de 570 a.C. Para ele, as pessoas teriam criado os deuses à sua própria imagem e semelhança: “Os mortais acreditam que os deuses nascem, falam, e se vestem de forma semelhante à sua própria. Os etíopes imaginam seus deuses pretos e de nariz achatado; os tracianos, ao contrário, os vêem ruivos e de olhos azuis. Se as vacas, cavalos ou leões tivessem mãos e com elas pudessem pintar e reproduzir obras como os homens, eles criariam e representariam suas divindades à sua imagem e semelhança. Os deuses dos cavalos teriam feições eqüinas, os das vacas se pareceriam com elas, e assim por diante”.

Os primeiros filósofos, também chamados de Filósofos da Natureza, queriam saber de onde tudo vem e para onde tudo vai, nesse processo contínuo de geração e perecimento das coisas. Na investigação desse fenômeno eles queriam saber, também, se algo permanecia. Esses filósofos tinham uma coisa em comum: acreditavam que devia existir uma determinada substância básica, que seria a causa oculta de todas as transformações da natureza. Nesse contexto, deve ser ressaltada a importância de Tales de Mileto (cerca de 625-558 a.C.). Como nenhum de seus escritos chegou aos dias de hoje, suas idéias filosóficas foram conhecidas graças a Aristóteles, que o cita em sua obra Matafísica. Tales concebia a água como substrato da força geradora de tudo. Para ele, tudo o que se conhece é composto por Quatro ElementosÁgua, Fogo, Ar e Terra, mas via na água o princípio de composição de todas as coisas, tirando essa conclusão da constatação de que o alimento de todas as coisas é úmido. Ele tira essa convicção também da observação de que todas as sementes, de todas as coisas, têm uma natureza úmida, e, portanto, concebe ser a Água o princípio da natureza das coisas úmidas. Tales, ao envelhecer, resolve dedicar-se apenas à matemática e acabou por estabelecer os primeiros postulados básicos da Geometria.

Percebe-se, então, que a origem do estudo dos Quatro Elementos não está na alquimia, ou em qualquer “ciência mágica”, mas sim na gênese da filosofia, exatamente no momento em que o homem passa a explicar os fenômenos da natureza por meio de constatações com base na observação e na experiência, e não mais embasadas no mito ou em deuses.

Assim, para o Ritual Francês o significado simbólico dos Quatro Elementos possui explicação racional. O Gabinete das Reflexões representa as entranhas da Terra e pretende propiciar o rompimento do candidato com o mundo profano, antes de fazê-lo entrar, simbolicamente, numa nova vida, a vida maçônica. A segunda Prova, a da Água, vivenciada na Primeira Viagem, representa a depuração necessária que deve haver no homem que aspira ser reconhecido maçom. Na Segunda Viagem o candidato é submetido à terceira prova, a do Ar, simbolizando a purificação intelectual, necessária para que se desfaçam as concepções errôneas e preconceituosas, que impedem o ser  humano de se aproximar da Verdade. Na terceira e última viagem o candidato passa pela prova do Fogo, que representa a purificação do caráter, dizendo ao candidato que a vontade deve ter o ardor da chama, sendo capaz de fecundar o trabalho e mantê-lo no nosso ideal de fraternidade universal.

Outro detalhe importante do Ritual Francês, e que merece ser citado, é o Cálice da Amargura, que a exemplo das provas dos Quatro Elementos, não é previsto no nosso Ritual. Nesta prova o Irmão Experto oferece ao profano um cálice com água misturada com uma substância amarga, devendo o profano beber o seu conteúdo até a última gota. O amargor da bebida, segundo as palavras do ritual, é para lembrar ao candidato que o caminho da virtude é difícil, mas será superado como foi superado o desgosto da bebida. A prova do Cálice da Amargura, cuja utilização, na França, é de livre escolha das Lojas, possui um significado simbólico importante.

Importante ressaltar que o Ritual Francês, apesar de manter trechos que remontam ao ritual de 1801, conservando até os dias de hoje o que era praticado naquele tempo, não perdeu, de forma alguma, o espírito da reforma de 1877, que assegurou a cada um o direito de ter suas convicções teológicas e filosóficas pessoais, sem proselitismo ou condenações gratuitas. Exemplo disso é a fala do Venerável Mestre quando expõe ao candidato os princípios do Grande Oriente de França:

 

“O Grande Oriente da França não admite nenhum limite à liberdade de espírito, à liberdade de consciência. Afirmamos que cada um de nós tem o direito de crer em uma inteligência que reja o mundo, ou também de não crê-lo; cada um de nós pode crer em um deus criador (que certos Franco-Maçons chamam de Grande Arquiteto do Universo) ou de não crê-lo; cada um pode, ou não, praticar uma religião. Todas as idéias filosóficas, políticas, sociais ou qualquer outra, são iguais aos nossos olhos desde que se assegure que a Dignidade do Homem seja respeitada. Se exceções existem, elas não vem de nós, mas sim do mundo profano. Junto a nós a razão e o sentimento não se submetem a qualquer entrave. Em nosso meio, vossa personalidade será perfeitamente livre para expandir-se. Vossas opiniões e crenças serão perfeitamente respeitadas. Vós tereis, evidentemente, a obrigação imperiosa de respeitar a posição de todos os outros: a tolerância é artigo capital de nossa Constituição.”

 

Nessa comparação entre o ritual praticado na França e o nosso, não podemos deixar de tecer uma crítica ao ritual francês, especialmente na passagem que prevê a presença de um Irmão deitado sobre os degraus do Oriente, com a face contra o chão, iluminado por uma fraca luz. Nesse momento o Experto retira a venda do profano por alguns segundos, informando que a espada apontada para aquele homem que é visto deitado significa que não deve jamais trair o compromisso assumido, pois poderá colocar em perigo as pessoas que ali depositaram confiança nele. Essa prática assustadora, apesar de referir que todos estarão expostos a perigos caso haja quebra da promessa, faz uma alusão subliminar a castigos físicos inconcebíveis nos dias de hoje.

O ritual francês, por outro lado, prevê, em um dos momentos mais marcantes da cerimônia, que é a retirada da venda que cobre os olhos do candidato, uma passagem de grande significado simbólico. O Irmão Experto, no momento apropriado, conduz o candidato entre Colunas. O Padrinho deverá se colocar atrás do candidato e terá nas mãos um espelho que lhe encobrirá a face. Os Irmãos do Ocidente formam um semicírculo dirigindo as pontas das espadas na direção do candidato. Quando a venda é retirada, o Venerável explica ao neófito que as espadas apontadas representam que os maçons, a partir daquele momento, serão seus defensores se sua vida ou honra vier a ser ameaçada. Alerta, a seguir, que não será sempre que encontrará amigos entre nós, e lhe ordena que olhe para trás, à direita, quando então o novo iniciado se depara com o espelho. Explica-lhe o Venerável que o maior inimigo está seguidamente em nós mesmos e é preciso, com ênfase, combater nossos erros, pré-julgamentos e paixões. A seguir, depois de uma breve pausa, diz que também encontrará amigos entre nós, e pede ao iniciado que novamente olhe para trás, à direita, quando então o espelho é abaixado e o padrinho, que estava por detrás, lhe dá um Tríplice Abraço Fraternal.

Muitas críticas podem ser tecidas ao ritual praticado no Brasil. Algumas dessas críticas condenam as alterações significativas do ritual praticado aqui em relação ao original, que no afã de torná-lo o mais agnóstico e neutro possível, com a retirada de uma série de elementos importantes, que, salvo melhor juízo, nada têm a ver com religião, retiraram elementos essenciais do rito, fazendo com que perdesse muito de seu caráter iniciático. Na França, os estudiosos notaram o tamanho do prejuízo que o Rito poderia sofrer se começassem a retirar partes do ritual, e então decidiram voltar a praticar algo muito semelhante aos rituais originais, sem afastarem-se do espírito da reforma de 1877. 

Não obstante estas críticas, e apesar do significado simbólico dessas passagens ritualísticas, que são inexistentes no ritual praticado no Brasil, temos, em contrapartida, provas intelectuais muito mais elaboradas e de grande dificuldade, especialmente se levarmos em conta que o candidato está vendado, em um local estranho, portanto inseguro e vacilante, sendo submetido a questões polêmicas que exigem, em muitos momentos, uma tomada de posição firme e objetiva. O sentimento comum em nossas Iniciações, ao vermos o candidato sair-se com sucesso das provas intelectuais a que foi submetido, é que estamos diante de um aprendiz realmente apto e capaz de estar entre nós. Além disso, merece ser referido que o maior elogio ao nosso ritual foi proferido justamente pelo Soberano Grande Inspetor Geral do Supremo Conselho do Rito Moderno para a França, que disse claramente estar “com inveja dos rituais praticados no Brasil, por serem mais autênticos do que aqueles praticados por eles na França”. Apesar dessas diferenças significativas entre as práticas francesa e brasileira, nosso rito tem também a seu favor o fato de estar, sem sombra de dúvidas, entre os que mantêm mais uniformidade de procedimentos, se comparado com outros ritos.

Arthur Aveline – MI

ARLS Acácia Porto-Alegrense nº 3612 do Rito Moderno

Oriente de Porto Alegre – GOB/RS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

CORBO, Oscar. Esse Mistério Chamado Maçonaria. Porto Alegre – RS, Edição independente. 2004.

 

COSTA, Frederico Guilherme e CASTELLANI, José. O Rito Moderno – A Verdade Revelada. Londrina, PR. Ed. A Trolha, 3ª Ed. 2005

 

GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia. São Paulo. Cia das Letras, 1997.

 

MORENTE, Manuel Garcia. Fundamentos (Lições Preliminares) de Filosofia. São Paulo. Vol. I, Editora Mestre Jou, 1976.

 

Supremo Conselho do Rito Moderno – O Rito Francês ou Moderno, a Maçonaria do Terceiro Milênio – Londrina – PR. Ed. A Gazeta Maçônica, 1994.

 

História da Filosofia. Organização e texto final de Bernadete Siqueira Abrão, Coleção os Pensadores. São Paulo. Nova Cultural. 2004.

 

Pré-Socráticos. Tradução de Wilson Regis, Coleção Os Pensadores. São Paulo, Vol. I, Nova Cultural, 1989.

 

Ritual do Grau de Aprendiz do Rito Francês – Ritual de Referência – Grande Oriente de França – Potência Simbólica Regular e Soberana – Tradução Irmão José Maria Chaves – 2002.

 

Ritual do Grau de Aprendiz do Rito Moderno – Grande Oriente do Brasil – Edição 1999.

 

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Caros IIr.'.

Pensamento maçônico internacional, onde diz: - para se unirem basta seguir os rituais centenários da maçonaria e serem verdadeiros maçons.
A Maçonaria somos nós, e ela somente será grande se nós formos pessoalmente grandes. Não esperamos encontrar na maçonaria o que não encontramos dentro de nós mesmos. Nada poderá ser maior do que a soma da grandeza de seus componentes.
(Extraído do livro: Antologia Maçônica de Ambrósio Peters)

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